Revisões sistemáticas de estudos observacionais são mais complexas e trabalhosas para realizar, e geralmente possuem evidência mais frágil do que revisões de ensaios clínicos randomizados (ECRs). Mesmo assim, recentemente elas vêm ganhando cada vez mais espaço na literatura. Por vezes, em nossos cursos e consultorias, os pesquisadores nos trazem questões sobre “ como realizar uma revisão de estudos observacionais? ”. Muitas vezes nós convertemos essa pergunta em “ devemos realizar uma revisão de estudos observacionais? ”.
A revisão sistemática não é o objetivo, mas sim o instrumento; o objetivo sempre é responder a uma questão de pesquisa. Nesse post queremos discutir um pouco mais em que situações as revisões sistemáticas de estudos observacionais podem nos auxiliar a encontrar as melhores respostas.
1- Questões de intervenção ou de prevenção (avaliando benefício)
Revisão sistemática de ECR deve ser sempre o primeiro passo para avaliar a efetividade de uma intervenção. Caso a resposta seja satisfatória (qualidade da evidência adequada), não há necessidade de conduzir revisão sistemática de estudos observacionais. Caso a evidência não for robusta, é sugerida a realização de revisão sistemática de estudos observacionais comparados (estudos de coorte e de caso-controle). Dessa forma, a resposta gerada pode substituir à do ensaio clínico, se a mesma for mais confiável. O diagrama abaixo ilustra essa situação.
Por exemplo, vamos avaliar a questão sobre a realização de rastreamento para câncer de colo de útero para a redução de mortalidade. Revisão sistemática encontrou um ECR, por cluster, avaliando essa questão. Apesar do estudo possuir forte rigor metodológico (envolvendo 130.000 mulheres em 52 clusters na Índia), alguns potenciais limitantes poderiam ser apontados. Por exemplo, a população indiana pode não representar os outros cenários adequadamente. Também, por se tratar de prevenção, a mortalidade é influenciada pela prestação de serviços em saúde, que é diferente em outros países. Além disso, há o interesse em responder outras questões como, por exemplo, envolvendo a periodicidade do exame. Dessa forma, foi realizado também uma revisão sistemática de estudos observacionais para complementar os achados do ensaio clínico. Contudo, se houvesse mais ECRs avaliando a intervenção proposta, reforçando a evidência encontrada, não haveria necessidade de executar a revisão de estudos observacionais.
2 – Questões de intervenção ou de prevenção (avaliando risco)
Usualmente os ECRs não possuem poder adequado para avaliar eventos adversos (em especial quando são eventos raros). Além disso, em ensaios clínicos é comum termos populações selecionadas, com perfil diferente do “mundo real”. Apesar de uma revisão sistemática de ECRs poder ser utilizada como estratégia inicial nesse contexto (em especial na presença de estudos pragmáticos), esses fatores limitantes usualmente diminuem a qualidade da evidência para a resposta obtida através de ensaios clínicos. Assim, judiciosa avaliação da qualidade da evidência faz-se necessária para avaliar se a resposta obtida com ensaios clínicos é adequada ou não.
Estudos observacionais geralmente possuem maior poder estatístico e uma população mais próxima à população do “mundo real”, ou seja, com critérios de inclusão mais amplos, sem exclusão de pacientes potencialmente mais graves. Em certas situações, revisões sistemáticas de estudos observacionais serão necessárias para avaliar o perfil de segurança, em especial para intervenções com maior tempo de uso, para as quais existem maior volume de informação publicada. Também são importantes para efeitos tardios, que geralmente não são captados durante a execução de um ECR. Por exemplo, revisão sistemática incluindo estudos observacionais foi realizada para avaliar risco de câncer gástrico em pacientes utilizando inibidores da bomba de próton (ex: omeprazol); como esse desfecho é pouco incidente e demora décadas, por vezes, para acontecer, o uso de evidência observacional geralmente é imprescindível.
3 – Questões diagnósticas
Quando se avalia a realização de um teste em relação a desfechos clínicos, a questão diagnóstica geralmente se assemelha a uma questão de intervenção, devendo ser abordada da mesma forma. Esse é o caso, por exemplo, da utilização de colonoscopia e sangue oculto nas fezes para câncer de cólon, que pode ser observado nessa revisão.
Na ausência da evidência dessa natureza, podem ser avaliadas as propriedades diagnósticas de um teste (ex: sensibilidade e especificidade). Assim, não temos mais a avaliação de uma intervenção (realizar um teste), como descrito acima, mas sim uma questão avaliando a acurácia diagnóstica do exame. Nesse caso estudos de coorte e estudos transversais proporcionam evidência adequada; estudos de caso-controle não são adequados devido ao potencial viés de espectro.
4 – Questões de etiologia
Apesar de, em essência, um fator etiológico poder consistir de uma intervenção, na literatura essas questões são geralmente respondidas na com estudos observacionais. Assim, revisões envolvendo estudos de coorte e de caso-controle são indicadas. A revisão pode envolver apenas estudos de coorte caso seja um desfecho frequente; para desfechos raros, estudos de caso controle geralmente proporcionam informação de grande valia.
5 – Questões de prognóstico
Revisões sistemáticas de estudos observacionais são as mais adequadas. Apesar de dados parciais de um estudo clínico poderem ser utilizados, geralmente não representa a população do mundo real. Usualmente estudos de coorte são os mais adequados para responder a essas questões.
6 – Questões envolvendo frequência (prevalência e incidência)
Estudos de prevalência devem ser respondidos com estudos observacionais: estudos de prevalência, estudos transversais ou com a linha de base de estudos de coorte (lembramos que todo estudo de coorte inicia com uma avaliação transversal em sua linha de base). Para incidência estudos de coorte são os mais indicados; braços de um ensaio clínico podem ser utilizadas (por exemplo, taxa de eventos do grupo controle), mas há o potencial viés de seleção devido a população do ECR poder não representar a evidência do mundo real.
A tabela abaixo resume a abordagem das questões de pesquisa apresentadas
Leitura complementar
Para leitura complementar sugerimos o artigo Nonrandomized studies as a source of complementary, sequential or replacement evidence for randomized controlled trials in systematic reviews on the effects of interventions, publicado por Schunemann et al em 2013. Esse artigo faz uma boa análise sobre a utilização de estudos observacionais de forma complementar, sequencial ou substutiva a ensaios clínicos, utilizando os conceitos de qualidade da evidência preconizados pelo GRADE working group.
O artigo Observational evidence and strength of evidence domains: case examples, publicado por O’Niel et al em 2014, aprofunda um pouco mais as discussões, apresentado exemplos adicionais do uso de estudos observacionais.