Recomendações para Modelagem em Problemas de Saúde Pública

Estudos econômicos que tratam de questões de saúde pública costuma apresentar grandes desafios aos pesquisadores (e em particular aos modeladores), pois as intervenções tendem a operar de forma dinâmica, em sistemas sociais complexos que incluem os determinantes sociais da saúde.

Na última edição da revista Value in Health, pesquisadores das universidades de Sheffield e de Cambridge, do Reino Unido, publicaram um artigo no qual apresentam uma metodologia para guiar o desenvolvimento da estrutura conceitual do modelo, desde a elaboração e descrição do problema até a o desenho e a construção do modelo quantitativo.

Nesse post, resumimos os quatro princípios e boas práticas e as quatro fases da metodologia apresentada. O artigo completo tem acesso aberto, e vale a pena acessá-lo para se profundar e entender como os autores chegaram na proposição atual.

Princípios de Boas Práticas

1. É preciso um pensamento sistêmico para modelagem em saúde pública.
É importante considerar interações entre as partes de um sistema e seu ambiente, lembrando que questões de saúde pública são tipicamente não lineares, e o conjunto não é igual à soma das partes. Podem haver retroalimentações (feedback) positivas e negativas; por exemplo, um aumento em taxas de obesidade pode levar a um aumento em taxas de depressão, que por sua vez contribui para o aumento de taxas de obesidade. Por outro lado, um aumento na alimentação pode levar a um aumento no ganho de peso (todas as outras coisas sendo iguais), o que então pode levar a uma diminuição na ingesta calórica. Ciclos de retroalimentação positiva e negativa em um mesmo sistema podem produzir um comportamento contra-intuitivo, e é preciso estar atento ao resultado global no modelo.

2. Uma compreensão documentada do problema é necessária para desenvolver e justificar a estrutura do modelo.
Para desenvolver modelos válidos, verossímeis e viáveis, é preciso que tanto a compreensão inicial do problema como as adaptações posteriores sejam documentadas.
Investir tempo no início do projeto para entender o problema poderia reduzir os requisitos gerais de tempo. Nesse momento, é recomendado que se pense em um modelo conceitual geral, sem preocupações ainda com a existência de dados para input. A compreensão do problema continuará inevitavelmente a se formar durante o desenvolvimento do modelo; nesse momento podemos refinar e ajustar o que for preciso, considerando limitações de tempo e escopo. Ter o modelo inicial e todas as mudanças documentadas é crucial para compreensão adequada dos resultados.

3. Deve haver uma ampla comunicação com as partes interessadas (stakeholders) e membros da equipe durante todo desenvolvimento do modelo.
A literatura sugere que os interessados, mesmo que não sejam pesquisadores, podem ajudar a desenvolver os objetivos e exigências do modelo, além de facilitar a sua verificação e validação. Porém, os modeladores devem questionar os pressupostos da equipe durante todo o processo de desenvolvimento do modelo, para descobrir premissas inconsistentes, tendenciosas e inválidas.
Usar formas eficazes de comunicação de informações, tais como a utilização de diagramas claros, ajudam a compartilhar informações e descrever suposições.

4. A consideração sistemática dos fatores determinantes da saúde é fundamental para identificar principais impactos das intervenções na modelação econômica saúde pública
Os determinantes da saúde são centrais para a consideração de intervenções de saúde pública; entre eles estão o ambiente social, econômico e físico, bem como as características individuais de uma pessoa. Existem diversos sistemas de classificações desses determinantes, e essas classificações podem ser utilizadas para facilitar a identificação dos custos e resultados não associadas à saúde – por exemplo, aquelas relacionadas com transporte ou emprego.
É pouco provável que seja apropriado ou mesmo possível incluir todos as determinantes da saúde em um modelo; no entanto, é importante refletir sobre todos os possíveis determinantes, a fim de que todos os mecanismos importantes sejam incluídos e os resultados das intervenções podem ser adequadamente capturados.

Recomendações para Construção do Modelo

Além dos princípios de boas práticas, o artigo enumera quatro fases na metodologia de construção da estrutura conceitual do modelo, que seriam:

Fase A: Alinhamento da estrutura de trabalho com o processo de tomada de decisão;
Fase B: Identificação de todas as partes interessadas;
Fase C: Compreensão aprofundada do problema;
Fase D: Desenvolvimento e justificativa da estrutura do modelo.

A figura abaixo apresenta um resumo dos passos elencados no artigo:

Overview of conceptual modeling framework for public health economic modeling.

Overview of conceptual modeling framework for public health economic modeling.
Fonte: Value Health. 2016 Jul-Aug;19(5)

A descrição da fase D é de particular interesse aos modeladores; apenas após essa fase concluída é que seria escolhido o tipo de modelo a ser realmente construído, seguindo o diagrama abaixo:

Choosing the model structure.

Choosing the model structure.
Fonte: Value Health. 2016 Jul-Aug;19(5)

Já havíamos falado aqui no Blog sobre como escolher o modelo apropriado para uma análise de custo-efetividade; esse novo artigo complementa muito bem a leitura de nosso post anterior, discutindo como decidir sobre a inclusão ou não de fatores específicos nos modelos, pensando em qual nível de detalhamento precisamos em nossa análise.

Para encerrar, os autores apontam como principais áreas para futuras pesquisas: a avaliação dessa metodologia proposta em estudos diversos, e o desenvolvimento de métodos para modelagem de comportamentos individuais e comportamento social. E então, pronto para aplicar tudo isso no seu modelo?

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