Quando optar por revisões de estudos observacionais: um guia prático

Revisões sistemáticas de estudos observacionais são ferramentas valiosas para sintetizar evidências sobre questões complexas que envolvem intervenções, diagnósticos, etiologia, prognóstico e frequência de doenças. Embora menos robustas que as revisões de ensaios clínicos randomizados (ECRs), elas desempenham um papel crucial em cenários onde os ECRs podem ser limitados ou impraticáveis.

De maneira geral, as revisões sistemáticas de estudos observacionais são mais complexas e trabalhosas de serem desenvolvidas e, geralmente, possuem evidência mais frágil do que revisões de ECRs. Por vezes, em nossos cursos e consultorias, os pesquisadores nos trazem questões sobre “como realizar uma revisão de estudos observacionais?” e resposta na maioria das vezes é revertida na pergunta “devemos realizar uma revisão de estudos observacionais?”.

A revisão sistemática deve sempre ser pensada como instrumento utilizado para responder a uma questão de pesquisa. Nesse post queremos discutir um pouco mais em que situações as revisões sistemáticas de estudos observacionais podem nos auxiliar a encontrar as melhores respostas.

1. Questões de intervenção ou de prevenção (avaliando benefício)

Revisões sistemáticas de ECRs são ideais para avaliar a eficácia de intervenções. Se a evidência obtida for robusta, não é necessário realizar uma revisão de estudos observacionais. No entanto, se os ECRs disponíveis forem insuficientes, especialmente devido a limitações como representatividade da população estudada, revisões de estudos observacionais (como estudos de coorte e caso-controle comparativos) podem complementar as lacunas deixadas pelos ECRs.

Por exemplo, vamos avaliar a questão sobre a realização de rastreamento para câncer de colo de útero para a redução de mortalidade. A revisão sistemática encontrou um ECR, avaliando essa questão. Apesar do estudo possuir forte rigor metodológico (envolvendo 130.000 mulheres na Índia), alguns potenciais limitantes poderiam ser apontados. Por exemplo, a população indiana pode não representar os outros cenários adequadamente. Também, por se tratar de prevenção, a mortalidade é influenciada pela prestação de serviços em saúde, que é diferente em outros países. Além disso, há o interesse em responder outras questões como, envolvendo a periodicidade do exame. Dessa forma, foi realizado também uma revisão sistemática de estudos observacionais para complementar os achados do ensaio clínico. Contudo, se houvesse mais ECRs avaliando a intervenção proposta, reforçando a evidência encontrada, não haveria necessidade de executar a revisão de estudos observacionais.

2. Questões de intervenção ou de prevenção (avaliando risco)

ECRs, frequentemente, não conseguem captar eventos adversos raros ou representar adequadamente a diversidade do mundo real. Nesses casos, revisões sistemáticas de estudos observacionais são cruciais para avaliar o perfil de segurança a longo prazo de intervenções e identificar efeitos tardios. Isso por que os estudos observacionais geralmente possuem maior poder estatístico e uma população mais próxima à população do “mundo real”, ou seja, com critérios de inclusão mais amplos, sem exclusão de pacientes potencialmente mais graves. Por exemplo, estudos observacionais são essenciais para investigar o risco de câncer gástrico associado ao uso prolongado de inibidores da bomba de próton. como esse desfecho é pouco incidente e demora décadas, por vezes, para acontecer, o uso de evidência observacional geralmente é imprescindível.

3. Questões diagnósticas

Quando se avalia a eficácia de testes diagnósticos em relação aos desfechos clínicos, revisões sistemáticas de estudos observacionais são necessárias para obter evidências sobre a precisão diagnóstica. Estudos de coorte e transversais são preferidos devido à sua capacidade de fornecer informações robustas sobre sensibilidade e especificidade dos testes. Assim, não temos mais a avaliação de uma intervenção (realizar um teste) mas sim uma questão avaliando a acurácia diagnóstica do exame. Adicionalmente, estudos de caso-controle nesse caso não são adequados devido ao potencial viés de espectro.

4. Questões de etiologia

Questões relacionadas a fatores etiológicos são predominantemente respondidas por estudos observacionais, como estudos de coorte e caso-controle. A escolha entre esses métodos depende da frequência do desfecho em estudo: estudos de coorte são adequados para desfechos frequentes, enquanto estudos de caso-controle são preferidos para desfechos raros.

5. Questões de prognóstico

Revisões sistemáticas de estudos observacionais são cruciais para avaliar prognósticos, já que refletem melhor a diversidade de populações do mundo real. Estudos de coorte são particularmente úteis para examinar desfechos ao longo do tempo.

6. Questões envolvendo frequência (prevalência e incidência)

Estudos de prevalência e incidência são melhor respondidos por estudos observacionais: estudos transversais são indicados para avaliar prevalência, enquanto estudos de coorte são preferidos para calcular a incidência ao longo do tempo.

A tabela abaixo resume a abordagem das questões de pesquisa apresentadas:

Assim, concluímos que revisões sistemáticas de estudos observacionais oferecem uma abordagem complementar e, muitas vezes, indispensável para responder a questões complexas em saúde, onde os ensaios clínicos randomizados podem apresentar limitações. Ao avaliar a necessidade de uma revisão sistemática, é essencial considerar a robustez da evidência disponível e a adequação dos métodos de estudo para responder à pergunta de pesquisa de forma abrangente e confiável.

Por Sheila Cristina Bosco Stivanin
Doutora em produção animal, cientista de dados, empreendedora e educadora.

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