“Além da produção de informação, o papel de qualquer cientista tem que ser também o exercício da mentoria e o fomento de colaborações, ainda mais em uma época onde o pesquisador solo provavelmente estará fadado a mediocridade”
Compartilho o editorial do JAMA, publicado neste 26 de dezembro de 2017, intitulado “Authorship and Team Science“. O editorial discute sobre autoria em artigos científicos, assunto que discuto bastante nos times de pesquisa que participo e peço licença para tecer algumas reflexões. O artigo é assinado pelo editor chefe e pelos editores executivos do JAMA, uma das principais revistas da área médica, com fator de impacto de 44,4. O editorial apresenta as possibilidades e as diretrizes para creditar autores nos artigos submetidos ao JAMA. Entendo que essas diretivas podem ser transpostas também a outros periódicos.
Uma métrica interessante apresentada no editorial é que o número médio de autores de artigos indexados no PubMed mudou de 1,9 antes de 1975 para 5,7 em 2015. Pessoalmente fico triste quando vejo um paper com apenas três ou quatro autores, pois quem trabalha com pesquisa sabe da complexidade e do número de pessoas envolvidas no processo. Defendo que sejam dadas oportunidades, em especial para pessoas juniores ou que trabalharam em atividades mais operacionais como coleta de dados, para colaborar cientificamente de forma a preencher critérios de autoria (e que isso não se confunda injustamente com “gifted authorship“). Além da produção de informação, o papel de qualquer cientista tem que ser também o exercício de mentoria e o fomento de colaborações, ainda mais em uma época onde o pesquisador solo provavelmente estará fadado a mediocridade. Habilidades de criar e de participar de times é algo imprescindível para essa nova geração de cientistas.
Creio que, até então, a principal publicação nesta década tenha sido a comprovação experimental da existência do Bóson de Higgs. O estudo teve 5.154 co-autores; o paper tem 9 páginas com os achados e 24 com a lista dos autores. Tive a oportunidade de conhecer julho deste ano o CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), onde o estudo foi realizado, e conversar com alguns astrofísicos sobre o projeto. No CERN, onde fica o Grande Colisor de Partículas, participam dos projetos cerca de 10.000 pesquisadores. Como o surgimento do Bóson de Higgs é um fenômeno relativamente incomum, centenas e centenas de experimentos foram rodados para aquisição de dados. Os dados gerados são compartilhados entre 140 data centers, em 32 países, para processamento, dada a quantidade e complexidade de informação. Cinco mil autores parece ser um número excessivo a um primeiro momento, mas só houve êxito devido a esses 5.154 pesquisadores, e nada mais justo esse reconhecimento.
Esse artigo dos editores do JAMA, na minha interpretação, representa algo muito importante: uma clara mensagem para os pesquisadores para fomentar colaborações, creditar adequadamente os envolvidos e oportunizar participação nas publicações, pois é assim que a ciência vai funcionar daqui para frente.
É comum questionarem na HTAnalyze sobre como proceder com autoria de revisões sistemáticas, em especial em relação ao número de autores. Para artigos com dados secundários, como revisões sistemáticas e estudos de custo-efetividade, não há um número mágico para autoria. Há metanálises publicadas com apenas um autor, como o caso dessa metanálise de testes diagnósticos, que obteve cerca de 500 citações; enquanto há estudos com mais de 50 co-autores, como o caso dessa metanálise de dados individuais. A minha recomendação é creditar aqueles que auxiliaram na concepção, desenvolvimento ou na execução do estudo e que contribuíram na redação e/ou revisão crítica do artigo. Deem oportunidade para pessoas que participaram da execução de também contribuírem na preparação dos artigos; o fato de alguém ser contratado ou não para executar uma atividade de cunho científico não deve impactar na decisão dessa pessoa ser creditada ou não como autor. É sempre uma ideia interessante convidar também experts que possam colaborar positivamente com a interpretação dos resultados e com a redação da discussão, isso poderá aumentar a qualidade do estudo, especialmente se essas pessoas adicionarem conhecimentos diversos do que se tem no grupo. Também é de bom tom creditar nos agradecimentos outros colaboradores que não satisfazem critérios de autoria, mas que colaboraram de certa forma para o produto final, como consultores ocasionais, equipe de suporte administrativo, bibliotecário ou profissionais contratados para revisão linguística e/ou tradução do manuscrito.
Quanto a ordem de autoria, segue-se o tradicionalmente preconizado nos artigos científicos em geral. O primeiro autor geralmente é aquele que conduziu o estudo, enquanto o último autor (senior author) é geralmente o supervisor do trabalho. Quando há dois supervisores, geralmente reserva-se o último e o penúltimo posto para ambos. O segundo autor geralmente é quem mais auxiliou o primeiro autor nas atividades operacionais, em uma revisão sistemática, por exemplo, é o par do primeiro autor na extração de dados (se esta foi realizada por dois pesquisadores). Há possibilidade de creditar dois autores como “co-primeiro autores” (co-first authorship), contudo essa prática ainda é incomum. Autoria de grupo, cada vez mais comum em estudos com coleta de dados primários, especialmente multicêntricos, é pouco comum em estudos com dados secundários, mas é usada com certa frequência em metanálises de dados individuais.
Espero que esse artigo tenha acrescentado novos conhecimentos e/ou ideias, que poderão ser úteis em sua trajetória de pesquisa. Abaixo segue o checklist do JAMA para autoria em artigos científicos.
Maicon Falavigna é médico internista, doutor em Epidemiologia. Atualmente trabalha com projetos de pesquisa com dados primários e secundários e é sócio da HTAnalyze.
Deixe uma resposta