Na postagem de hoje discutiremos Avaliação de Tecnologias em Saúde no Sistema Suplementar, focando particularmente no uso de Análises Econômicas Completas.
Relembrando:
Uma Análise Econômica Completa compara pelo menos dois cenários concorrentes* quanto aos seus custos para o sistema e quanto aos resultados em saúde atingidos.
Existem quatro tipos de avaliação econômicas completas, que diferem de acordo com a medida usada no eixo de resultados em saúde (veja no quadro abaixo). O eixo de custos da análise é sempre aferido em unidade monetárias, e assim ao final do estudo obtemos informações como quanto custa para evitarmos um infarto (análise de custo-efetividade) ou quanto é preciso investir para ganharmos um ano ajustado por qualidade de vida (análise de custo-utilidade).
Análise | Resultados em Saúde | Resultado do estudo |
Custo-minimização | Considerados equivalentes | Custo total |
Custo-efetividade | Unidade natural (IAM, AVC, morte) | $ / IAM evitado |
Custo-Utilidade | Utilidades em saúde (QALY) | $ /QALY |
Custo-Benefício | Unidade Monetária | $ líquido |
Análises Econômicas são necessárias porque os recursos que temos para aplicar em saúde são limitados. Assim, se decidirmos pagar muito caro por uma intervenção de pouco benefício, teremos menos recursos para aplicar em outras intervenções – que poderiam trazer muito mais resultados em saúde para a população como um todo.
* Exemplos: fazer ou não uma cirurgia; usar o medicamento A ou B; não pedir nenhum exame ou solicitar uma radiografia ou solicitar uma tomografia.
Enquanto as tecnologias a serem incorporadas no SUS são avaliadas pela CONITEC, a cobertura obrigatória da saúde suplementar é definida pelo Rol de Procedimentos da Agência Nacional da Saúde Suplementar (ANS). Todos os planos contratados a partir de janeiro de 1999 devem oferecer as tecnologias listadas, e as operadoras são livres para oferecer coberturas adicionais. O Rol é definido por um grupo técnico composto por representantes de entidades de defesa do consumidor, de operadoras de planos de saúde, de profissionais de saúde que atuam e de técnicos da ANS, levando em conta as manifestações recebidas em consulta pública nacional.
Para maximizar os resultados em saúde de um sistema, todas as intervenções incorporadas a ele deveriam ter passado por uma avaliação de custo-efetividade£. No entanto, essa prática ainda não está consolidada no Brasil, e particularmente na Saúde Suplementar não temos diretrizes sobre quais tecnologias devem ser ou não incorporadas.
Em recente discussão no 5º Fórum Nacional de Políticas de Saúde em Oncologia, o pesquisador Denizar Vianna (UFRJ) pontuou que o sistema de saúde suplementar tem prática assistencial, financiamento e gasto per capita diferentes do sistema público, e que por isso decisões de incorporações de tecnologia nesse setor deveriam ser particularizadas em relação à saúde pública. Martha Regina de Oliveira, presidente da ANS, afirmou que o alinhamento com a CONITEC cumpre exigência legal, mas existem outros mecanismos de análise para a saúde suplementar, como o Comitê Permanente de Regulação da Atenção à Saúde (COSAÚDE).
Nesse mesmo fórum foi divulgado que a ANS pretende utilizar mais estudos de custo-efetividade na atualização do Rol. Porém, ainda não está claro qual o papel desses estudos na decisão: uma intervenção efetiva, mas com ICER$ desfavorável (muito custo adicional em relação ao resultado adicional alcançado) deve ser incorporada? A avaliação de impacto orçamentário deve ter peso maior, pensando na sustentabilidade imediata das operadoras? Ainda não temos respostas para essas perguntas, e é provável que seja necessário uma discussão envolvendo toda a sociedade para que possamos avançar no tema.
Já existem publicações brasileiras que construíram análises de custo-efetividade da perspectiva da Saúde Suplementar (1, 2), em geral em áreas de interesse específico das indústrias farmacêutica e de dispositivos. Também vemos estudos onde as duas perspectivas, do sistema público e privado, são apresentadas (3, 4). Porém, o uso direto desses estudos é infrequente, tanto diretamente pelas operadoras de saúde como pela agência reguladora.
Em nossa experiência a maior utilização de análises econômicas completas para o sistema de saúde suplementar é na avaliação de tecnologias sobre os quais as operadoras tem ingerência direta: coberturas extra Rol, programas de promoção, prevenção e reabilitação em saúde, rastreio ativo de beneficiários, etc.
Uma operadora pode, por exemplo, avaliar a custo-efetividade de um programa de caminhadas orientadas para pacientes com excesso de peso; ou avaliar qual o custo máximo e efetividade mínima que um programa para hipertensos deve ter para que seja “custo-neutro” em 5 anos – ou seja, o total investido no programa será equivalente ao economizado pela operadora, em 5 anos, pela redução de eventos cardiovasculares na população assistida.
Cabe comentar que o termo “custo-efetividade” é ocasionalmente empregado de forma incorreta fora da área acadêmica. Dizer que uma tecnologia em saúde é custo-efetiva não quer dizer que ela é mais barata que outra, que economiza recursos para o sistema, nem que ela previne problemas de saúde; quer dizer que o custo adicional trazido por essa tecnologia, em relação ao resultado adicional em saúde que ela proporciona, é aceitável dentro do limiar de disposição a pagar do sistema onde estamos (não temos um limiar nacional definido para nossos sistemas, público ou privado). No caso de uma avaliação da perspectiva interna de uma operadora de saúde, caberá ao tomador de decisão definir qual será esse limiar.
£ Estamos utilizando o termo em seu sentido amplo; na verdade a análise recomendada pela Diretriz de Avaliações Econômicas em Saúde é a análise de custo-utilidade.
$ Índice de Custo-Efetividade Incremental.
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