Desafios na utilização de estudos de custo-efetividade em hospitais

As análises de custo-efetividade são uma das etapas-chave no processo de avaliação de tecnologias em saúde (ATS), onde ponderamos a efetividade de diferentes estratégias em relação aos seus custos. A grande maioria das publicações na literatura que apresenta resultados de custo-efetividade, usualmente através da relação de custo-efetividade incremental, realiza as análises na ótica de um sistema de saúde como um todo (mais frequentemente na do sistema público, e, mais raramente, na da saúde suplementar). A quantidade de análises de custo-efetividade tendo como perspectiva a ótica do hospital é bem menos frequente. Por que isso ocorre? Na nossa postagem de hoje, iremos comentar alguns artigos da literatura e apresentar os principais problemas na implementação deste tipo de estudo em cenários hospitalares.

Conforme comentamos, a análise de custo-efetividade é um dos passos no processo de ATS, o qual deveria ser iniciado pela avaliação de eficácia, efetividade e segurança. Tendo em vista, então, que a ATS é um processo mais amplo, e estudos de eficácia, efetividade e segurança são de certa forma independentes da perspectiva adotada no estudo (isto é, se a perspectiva for do sistema de saúde como um todo ou de apenas um hospital, a abordagem na análise destes três quesitos não deveria variar substancialmente), boa parte das publicações sobre ATS em hospitais acaba focando nestas três etapas, sem avaliação de custo-efetividade. De fato, a maioria das publicações com proposições metodológicas na área de ATS em hospitais não adentra a questão de custo-efetividade. Em uma recente revisão sobre o tema (Gagnon, 2014), a autora agrupa as diferentes abordagens de ATS em hospitais em quatro possíveis opções, conforme a figura abaixo:

HTA models

Em resumo, o artigo aponta que:

  • No modelo Embaixador, há apenas a disseminação de recomendações de órgãos nacionais, sem haver produção de ATS localmente.
  • No modelo de Comitê Interno, existe revisão de recomendações nacionais, com readequação para particularidades institucionais.
  • Na abordagem de Mini-ATS, há preenchimento de questionários pelo demandante de incorporação de determinada tecnologia, com fornecimento de informações sobre a mesma, pacientes elegíveis e consequências organizacionais e financeiras.
  • Finalmente, na Unidade de ATS, há uma equipe dedicada, que produz conhecimento original para fomentar decisão de alocação de recurso.

Porém, em nenhum destes modelos, é feita qualquer menção a quesitos de custo-efetividade, com foco apenas nos quesitos de eficácia, efetividade e segurança, com inclusão de consequências organizacionais em alguns modelos mais elaborados. Consequências financeiras são eventualmente apontadas, mas não há uma linha de abordagem sobre como contrapor sua relação com benefícios, e quais seriam os limites/limiares de investimento.

Ainda que não existam, até onde temos ciência, artigos na literatura delimitando claramente as barreiras a análises de custo-efetividade na perspectiva de hospitais, podemos elencar os prováveis motivos principais:

  • Conforme comentamos em postagens anteriores, alguns países, como o Brasil, não tem uma definição clara de limiar de disposição a pagar por uma tecnologia. Se isto já é um empecilho a análises econômicas na perspectiva do sistema de saúde como um todo, certamente também o é em análises na perspectiva hospitalar.
  • Mesmo em países onde exista um limar de disposição a pagar, tal cifra reflete o quanto um sistema de saúde estaria disposto a investir, em termos de recursos financeiros, para maximizar o benefício da população em termos de desfechos em saúde. Isto é, o sistema não espera ter um retorno financeiro do investimento. Já em hospitais, sejam públicos ou privados, é impossível que a ótica seja esta, uma vez que os mesmos precisam ter equilíbrio entre despesas e receitas. Ou seja, o conceito de limiar de disposição a pagar tem um papel discutível neste tipo de perspectiva de estudo.
  • Quando se fala em sistemas de saúde, usualmente a abordagem para a parte econômica é focada em custos, ou seja, gastos que o sistema tem com determinada tecnologia. Em hospitais, provavelmente o mais indicado seria trabalhar com margens, isto é, diferença entre custos e receitas com determinada tecnologia, ainda que não haja definição metodológica clara se esta é a abordagem mais correta.
  • Tecnologias que podem ser extremamente custo-efetivas para sistemas de saúde podem não ter esse mesmo desempenho na perspectiva de hospitais. Isto porque, na perspectiva do hospital, o horizonte temporal encerra-se no momento que o paciente tem alta (ao menos no eixo de custos), enquanto que na perspectiva do sistema, pode encerrar-se em um prazo muito mais longo. Isto é: um eventual grande investimento na fase hospitalar da doença, que vai ter ganho de saúde e potenciais economias (como internações evitadas) em um prazo longo acaba não tendo esses retornos adequadamente computados na perspectiva hospitalar, em um horizonte de tempo curto.

Deste modo, a principal utilização potencial de análises econômicas na perspectiva hospitalar seria a de demonstração de tecnologias ditas cost saving, isto é, tecnologias que geram ganho em saúde e também economia de recursos, considerando-se a diferença entre gastos e recursos que acabam sendo poupados. Existem alguns exemplos de tecnologias que foram avaliadas na perspectiva de unidades hospitalares que tiveram tal desempenho, incluindo medicamentos  – beta-bloqueador profilático em cirurgia cardiotorácia (Gillespie 2005), enoxaparina na prevenção de tromboembolismo venoso (Schädlich 2006), dabigatran em pacientes com fibrição atrial (Chang 2013) e programas educativos, como de higienização de mãos (Thi Anh Thu 2015) e de redução de quedas (Haines 2013). Porém, já foi visto anteriormente que a proporção encontrada de tecnologias cost saving em análises econômicas é pequena, de menos de 20% do total das análises, conforme a figura abaixo (Cohen, 2008).

cost saving

Considerando que estes dados são de análises na perspectiva de sistemas de saúde e não de hospitais, onde o prazo maior das análises facilita com que economias futuras sejam computadas, o cenário para análises em perspectiva hospitalar provavelmente apresenta número ainda menor de tecnologias com o perfil cost saving.

Em conclusão, a metodologia para análises de custo-efetividade em hospitais ainda é bastante incipiente, não havendo publicações com recomendações sobre melhores práticas para este tipo de análise. Ainda que a aplicação de técnicas tradicionais de análise (isto é, as mesmas empregadas em análises na perspectiva de sistemas de saúde) possa ser feita, seus resultados são de difícil interpretação e aplicação, exceto quando o resultado da análise mostra uma tecnologia dita cost saving ­– isto é, poupa recursos financeiros no cômputo global, além de aumentar benefícios em saúde.

 

Bibliografia:

Chang AM et al. Cost-effectiveness of dabigatran compared with warfarin for stroke prevention in patients with atrial fibrillation–a real patient data analysis in a Hong Kong teaching hospital. Clin Cardiol. 2013 May;36(5):280-5.

Cohen JT. Does preventive care save money? Health economics and the presidential candidates. N Engl J Med. 2008 Feb 14;358(7):661-3.

Haines TP et al. Cost effectiveness of patient education for the prevention of falls in hospital: economic evaluation from a randomized controlled trial. BMC Med. 2013 May

Gagnon, MP. Hospital-based health technology assessment: developments to date. Pharmacoeconomics. 2014 Sep;32(9):819-24. doi: 10.1007/s40273-014-0185-3.

Gillespie EL et al. A hospital perspective on the cost-effectiveness of beta-blockade for prophylaxis of atrial fibrillation after cardiothoracic surgery. Clin Ther. 2005 Dec;27(12):1963-9.

Schädlich PK. Cost effectiveness of enoxaparin as prophylaxis against venous thromboembolic complications in acutely ill medical inpatients: modelling study from the hospital perspective in Germany. Pharmacoeconomics. 2006;24(6):571-91.

Thi Anh Thu L et al. Cost-effectiveness of a hand hygiene program on health care-associated infections in intensive care patients at a tertiary care hospital in Vietnam. Am J Infect Control. 2015 Sep 29.

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