Em postagem recente aqui em nosso blog, comentamos sobre a sessão realizada no último congresso latino-americano da ISPOR sobre possíveis caminhos para estabelecimento de limiares de disposição a pagar (LDP), coordenada pelo sócio-diretor da HTAnalyze Rodrigo Ribeiro. Hoje, retomamos o assunto, revisando alguns possíveis caminhos para a determinação de LDP sugeridos na literatura internacional que poderiam ser aplicados no Brasil.
Primeiramente, é importante frisar a importância do conceito de LDP. Os gestores em saúde estão constantemente deparando-se com decisões acerca de incorporação de tecnologias em sistemas de saúde, onde análises de custo-efetividade podem ser ferramentas interessantes. Essas análises produzem o resultado usualmente no formato relação de custo efetividade incremental (RCEI), o qual mostra o número de unidades monetárias necessárias para que se aumente um ano de vida ajustado pela qualidade (ou QALY, do inglês quality adjusted life years). O LDP seria justamente o valor limite, abaixo do qual poderíamos dizer que essa RCEI sugere que a tecnologia em avaliação é custo-efetiva.
Outro conceito importante em análises econômicas em saúde é o custo de oportunidade. Na teoria econômica, o significado do mesmo é o custo de algo em termos de uma oportunidade renunciada. Ou seja, o conceito pressupõe que haja mais de uma opção para que se utilize determinado recurso (como por exemplo dinheiro), e utilizá-lo na opção X implica em não usá-l0 noa opção Y, sendo o retorno que se teria com Y justamente o custo de oportunidade de aplicarmos o valor em X. Considerando um orçamento para gastos em saúde que já esteja no seu limite máximo, ao adotarmos uma nova tecnologia, o investimento que será feito na mesma fatalmente levará ao desinvestimento – seja parcial ou total – em alguma outra tecnologia que já vinha sendo usada nesse sistema. Deste modo, o LDP deveria, de certa forma, refletir o custo de oportunidade da tecnologia menos custo-efetiva já disponível no sistema, a qual seria deslocada para fora do rol disponível com a adição de uma nova tecnologia. O gráfico abaixo ilustra isto: no cenário inicial (painel A), a tecnologia em azul está incorporada no sistema, com uma RCEI logo abaixo do limiar. A nova tecnologia, em verde, é incorporada por apresentar uma RCEI abaixo do LDP (painel B). Como o orçamento já está no seu limite máximo, o sistema terá que cessar seu investimento em alguma tecnologia, no caso a em azul. Importante frisar que essas tecnologias não são necessariamente aplicáveis na mesma situação clínica, não sendo tecnologias concorrentes.
Revisados esses conceitos, comentamos abaixo alguns caminhos apontados na literatura para determinação do LDP em países que ainda não fizeram essa definição:
1. Inferência do LDP baseado em decisões de incorporação tecnológica anteriores
Esse é uma das possibilidades citadas no artigo de Eichler e col. A ideia seria basear o LDP analisando a RCEI de tecnologias já implantadas e em tecnologias recusadas para incorporação. De certo modo, esta análise levaria à conclusão de qual o LDP que já vem sendo implicitamente usado. O potencial problema desta abordagem reside no fato que decisões anteriores não necessariamente refletirem um LDP adequado, além da possibilidade de grande variação entre as decisões passadas.
2. Derivação do LDP através do que é investido em “salvar uma vida” em outras esferas da gestão pública
Através do investimento em outras áreas públicas pode-se calcular um valor por vida salva. O exemplo usual é o investimento feito em infraestrutura de tráfego (campanhas de direção segura, investimento viário, etc.) com o qual se salva uma vida. Uma crítica a esse método é que o objetivo primordial das outras esferas públicas não seria ganho em saúde, e, portanto, os investimentos não seriam comparáveis.
3. Avaliação da produtividade atual do sistema de saúde e gastos associados
Esta abordagem foi feita em um extenso trabalho conduzido no Reino Unido, onde um grupo de economistas liderados por Klaxton estimou todo o gasto em saúde realizado no país, e o quanto este gasto estava produzindo em termos de desfechos em saúde, mensurados em QALYs. Com essa estimativa, calculou-se então o custo médio por QALY do que vem sendo gasto naquele país, sendo este sugerido como valor para LDP. O racional é o que explicamos acima: o cálculo feito por Klaxton e col. mostra o custo de oportunidade atual do dinheiro investido em saúde naquele país. Para que uma nova tecnologia seja incorporada, partindo-se da premissa que o orçamento em saúde já está sendo executado no seu teto, algum desinvestimento terá que ser feito. E, justamente, incorporar uma nova tecnologia acima do valor médio por QALY do que é investido hoje no sistema é um custo de oportunidade ruim, pois haverá desinvestimento em alguma alternativa em saúde que hoje acarreta maior eficiência. Após esse trabalho, o mesmo grupo de economistas derivou algumas equações que permitiram estender os cálculos feitos no Reino Unido para outros países; porém, são muitos os pressupostos adotados, os quais são questionáveis, de forma que o trabalho ainda é um tanto especulativo.
Para o Brasil, conforme já comentamos em nossa postagem prévia, ainda não há definição de um LDP. Os três caminhos citados acima são alternativas, sendo, provavelmente, a construção do LDP baseado em todas estas informações o melhor caminho, incluindo ampla discussão com todos os stakeholders envolvidos. Para tal, estudos que aprofundem essas questões, baseadas em dados nacionais, terão que ser realizados.
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