Metanálise em rede (network meta-analysis), Parte 2: Metanálise comparando múltiplas opções terapêuticas

Redes de evidência2

Conforme comentamos no nosso post anterior, a maioria das situações clínicas possui mais de duas opções terapêuticas para seu manejo, onde precisamos então de técnicas diferentes de metanálise tradicional. Porém, as situações usuais são mais complexas do que a retratada naquele post, com mais do que três alternativas terapêuticas. Por exemplo, um paciente com doença coronariana necessitando revascularização poderia ser submetido a tratamento com cirurgia, angioplastia, colocação de stent convencional ou stent farmacológico. Em um cenário ideal, teríamos um estudo que tivesse comparado todos os tratamentos disponíveis, apontando qual o tratamento tem maior eficácia. Ou, alternativamente, caso os tratamentos tivessem sido desenvolvidos em momentos do tempo diferentes (o que usualmente é o caso), seria desejável que cada vez que um novo tratamento fosse lançado, o mesmo fosse comparado com o tratamento mais eficaz até então. Infelizmente, ambas as situações são bastante raras, sendo muito mais comum que não tenhamos estudos com múltiplos braços, e que novos tratamentos não sejam comparados necessariamente com a melhor opção terapêutica naquele momento.

Para situações como estas, as técnicas convencionais de metanálise não são suficientes para avaliar de forma completa a evidência disponível. Primeiramente, porque, conforme já comentado, são raras as situações onde tenhamos todas as intervenções disponíveis na prática clínica comparadas uma com as outras. Vejamos, por exemplo, a figura do quadrante superior esquerdo da figura acima (oriunda de Bow et al. BMC Infectious Diseases (2015) 15:128), que compara diferentes antifúngicos orais para usados como profilaxia em pacientes submetidos a transplante alogênico de células hematopoiéticas. Existem quatro opções terapêuticas: posaconazol, voriconazol, itraconazol e fluconazol. Os três primeiros, que são antifúngicos mais novos, foram todos testados com o tratamento mais antigo, fluconazol. Além disso, voriconazol foi comparado a itraconazol; porém, nenhum dos dois foi comparado a posaconazol. Mesmo que tivessem sido, situações complexas podem ocorrer: imagine que os três antifúngicos novos mostraram performance melhor do que o fluconazol, porém, em três estudos comparando os novos antifúngicos (cada estudo incluindo dois dos três), cada um dos três tenha sido a melhor opção em cada um dos estudos? Como interpretar tal informação?

Para tentar equacionar problemas como este, métodos vem sendo propostos desde o início da década de 2000. A primeira proposição foi feita por Lumley, em 2002, porém, a mais usada atualmente é a metodologia proposta por Lu e Ades, em 2004, baseado em técnica bayesiana e que leva o nome de mixed treatment comparison (MTC).

O primeiro passo de qualquer metanálise deste tipo é justamente listar todas as intervenções disponíveis e, após empreender a revisão sistemática para identificar como as mesmas foram comparadas (em termos de qual foi comparada com qual), mapear a rede. Na figura acima, vemos três maneiras diferentes de representar a rede:

  • No exemplo dos antifúngicos, como haviam pouquíssimos estudos, foi possível colocar a referência dos estudos localizados em cima das linhas que ligavam as comparações encontradas.
  • No quadrante inferior esquerdo temos um exemplo de fármacos usados no tratamento de depressão, e no canto superior direito, diferentes tipos de stent para pacientes com doença arterial coronariana. Em ambos, a forma de representar é a mesma: temos linhas ligando os tratamentos que foram diretamente comparados, e a espessura das mesmas representa a quantidade de comparações encontradas (isto é, linhas mais grossas equivalem a mais estudos entre determinados tratamentos do que linhas mais finas). Os círculos que representam cada tratamento também têm tamanhos diferentes – novamente, para retratar as quantidades relativas, neste caso de pacientes estudados.
  • No quadrante inferior direito, cada linha representa um estudo, sendo que linhas sólidas representam estudos com apenas dois braços; linhas tracejadas, três braços; e linhas pontilhadas, quatro braços. A comparação realizada por mais estudos foi a de dieta + exercício versus cuidado usual/placebo; alguns estudos que realizaram tal comparação tiveram eventualmente mais um ou dois braços.

Nas próximas postagens, veremos as suposições que devem ser atendidas para a realização de uma metanálise por MTC e os principais tipos de resultados que este tipo de análise produz (especialmente o ranqueamento das alternativas, com indicação da probabilidade de cada tratamento ser o melhor).

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Um comentário sobre “Metanálise em rede (network meta-analysis), Parte 2: Metanálise comparando múltiplas opções terapêuticas
  1. Paulo Leaes disse:

    Excelente as propostas. Parabens.

1 Pings/Trackbacks para "Metanálise em rede (network meta-analysis), Parte 2: Metanálise comparando múltiplas opções terapêuticas"
  1. […] métodos para redes maiores, como o mixed treatment comparisons (MTC), que é o tipo mais comum de metanálise em rede atualmente. A figura no início deste post é um tipo de rede que chamamos de “estrela”, […]

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