Qual habilidade será mais dificilmente substituída por uma máquina?

As maquinas deixarão os humanos obsoletos em diversas atividades, mesmo em algumas consideradas atualmente como de elevada complexidade técnica, como na assistência clínica e na pesquisa em saúde. A necessidade de se reinventar será cada vez mais realidade e o conjunto de técnicas e habilidades que levaram até um determinado ponto não serão as mesmas necessárias para ir até o próximo estágio. Nesse artigo apresentamos algumas reflexões sobre o futuro e como tentar se destacar em um ambiente com a inteligência artificial ganhando espaço dia após dia.

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Algo comum em 2016 e 2017 foram as manifestações de taxistas contra aplicativos de transporte como o Uber. A reação veio em resposta ao temor pela perda dos seus empregos no curto prazo. Se a preocupação maior é da perda do trabalho, a médio e longo prazo o que esperamos é que veículos autônomos dispensem a necessidade de ter alguém ao volante. A Tesla, agora em 2018, estará produzindo veículos com hardware 100% autônomo, com apenas a legislação exigindo que nós estejamos na direção. Isso possibilitará que esses veículos sejam mais seguros do que se guiados por qualquer condutor; assim, é possível que as próximas gerações sequer possuam carteira de motorista. Caso empresas como Ford e General Motors não se adaptem a essas mudanças, serão as Kodaks do futuro, encolhida drasticamente com o advento da fotografia digital. E as mudanças não param por aí, provavelmente as tecnologias adicionadas aos carros autônomos os tronarão a prova de furtos (por exemplo, com a possibilidade de total acesso e controle do veículo remotamente). Sem acidentes e sem furtos, outro mercado também modificará drasticamente: a da bilionária indústria dos seguros. Sem falar de outros negócios que precisarão se reinventar, como o mercado de autopeças, oficinas mecânicas e postos de gasolina, que talvez nem mais existirão, com os motores elétricos substituindo os tradicionais motores a combustão.

Estamos vivenciando apenas a ponta do iceberg; o que estamos observando é que profissões estão sendo substituídas pela tecnologia e o Uber é apenas um marco no processo. Na área da saúde não será diferente. Nas últimas duas semanas, duas das principais revistas médicas publicaram artigos sobre esse tópico. O JAMA publicou um viewpoint intitulado What This Computer Needs Is a Physician: Humanism and Artificial Intelligence, discursando como essas tecnologias podem ajudar nos processos clínicos e promover sinergia com o profissional de saúde. O Lancet publicou editorial com o título de Artificial intelligence in health care: within touching distance“, apontando 2017 como um marco para a Inteligência Artificial na área da saúde.

Por exemplo, 0 Watson for oncology, da IBM, é capaz de analisar o prontuário médico do paciente, estruturar os dados utilizando algoritmos de reconhecimento de linguagem natural e conectar essa informação a bases científicas para definir condutas. O Watson possui uma concordância aproximada de 90% na definição de condutas terapêuticas quando comparado a um board de oncologistas, isso tudo em apenas dois minutos. O que a máquina faz é basicamente identificar padrões e apresentar as soluções para esses determinados casos.

Indo mais além, em alguns hospitais é possível realizar a chamada “cirurgia robótica”. Hoje, esta modalidade consiste em uma cirurgia na qual o médico manipula um robô através de um console / joystick. Esta tecnologia assegura maior precisão no procedimento e maior facilidade de acesso a determinadas regiões (podem ver um vídeo sobre o sistema AQUI). Será questão de tempo até que sistemas autônomos venham a substituir o cirurgião para a maioria dos procedimentos bastando – similarmente ao Watson – a identificação de padrões e o desenvolvimento de algoritmos para tal, capitaneada por alguma empresa que deve estar surgindo agora em uma garagem no Vale do Silício.

Na área da pesquisa não é diferente: gradativamente novas tecnologias virão a dispensar atividades realizadas hoje por pesquisadores. Gosto de citar o exemplo de revisões sistemáticas da literatura, que é uma das áreas de atuação da HTAnalyze. Para os que não estão familiarizados, consiste em uma metodologia com a qual se objetiva compilar de forma estruturada toda a evidência científica para responder a uma dada questão de pesquisa, por exemplo, a efetividade de um determinado tratamento para uma condição em saúde (para mais informações sobre esse tópico leia AQUI). Esse é um trabalho que costuma levar alguns meses, no qual pesquisadores revisam alguns milhares de artigos e extraem e compilam dados de algumas dezenas dos mesmos; tradicionalmente o processo é bastante artesanal. Quando participei pela primeira vez do Cochrane Colloquium, em 2013 (a Colaboração Cochrane é o grupo líder no desenvolvimento dessas metodologias), não se falava em assuntos como automatização das revisões sistemáticas. Na minha segunda participação, em 2016, assuntos como machine learning e a utilização de algoritmos para a seleção de estudos, extração de dados e até mesmo sumarização dos resultados estavam cada vez mais em voga, com diversas sessões e workshops sobre esses assuntos. Destaque para iniciativas como a Cochrane Crowd, o Eppi-Reviewer, o Robot Reviewer e o RevMan HAL. No congresso de 2017, também passou a ganhar mais força conceitos como living systematic reviews, no qual, com a ajuda dessas tecnologias, espera-se atualizações automáticas das revisões, com cada vez menor interface humana na operação.

O que podemos perceber é que as máquinas estão começando a substituir o homem nas situações nas quais é possível identificar padrões e definir a ação (mesmo em atividades até então tidas como de alta complexidade técnica). Temos exemplos de diferentes áreas: identificar um sinal de PARE em um cruzamento e acionar o freio, ler um prontuário médico e definir a terapia, extrair e compilar dados de interesse de artigos científicos, e talvez, daqui a alguns anos, cauterizar um vaso sangrante durante uma cirurgia. É provável que no futuro as máquinas deixarão os humanos obsoletos para uma ampla gama de atividades, muitas consideradas atualmente como de alta complexidade. Não que isso seja ruim, não me interpretem dessa forma, eu ficaria feliz se uma máquina assumisse as atividades operacionais (mesmo que possam ser consideradas técnicas), que eu desempenho hoje, como realizar revisões sistemáticas, avaliações de tecnologias em saúde e diretrizes clínico-assistenciais. Eu poderia tentar alocar o meu tempo para ações que eu potencialmente faria melhor do que as máquinas. Aí vem a resposta para o título desse tópico, no meu ponto de vista, custará para as máquinas superarem o homem na habilidade de CRIAR.

Conforme discutimos acima, em um número crescente de situações, a máquina consegue processar grande quantidade de informação, identificando e aplicando padrões. Mas a máquina não é ainda um ser questionador, dotado de curiosidade, imaginação e pensamento crítico; não conseguiu (ao menos com um tangível sucesso) ser programada para ser efetiva ao exercer a criatividade.  Para quem quiser sobreviver e se destacar no mundo em que as máquinas estarão deixando homens obsoletos, acredito que o foco deve ser justamente naquilo que as máquinas mais custarão a nos substituir. O desenvolvimento de habilidades voltadas para a criação, e não na operação, se tornará imprescindível, e essas habilidades serão nossos principais ativos. Entre estas habilidades, destacamos a criatividade, a imaginação, a solução de problemas e o pensamento crítico.

Desenvolvendo as habilidades de criar

Importante salientar que essa habilidades não são “dons”, e podem ser aprendidas e treinadas. Isto é algo que tentamos trabalhar com nossos times de pesquisa e em nossos cursos e consultoria. Por exemplo, frente a um problema buscamos uma solução; na verdade podemos tentar buscar três, quem sabe cinco ou mais diferentes alternativas para aquele mesmo problema. O mais provável é que as soluções subsequentes sejam sempre mais interessantes e menos óbvias do que a primeira alternativa gerada.

Outras habilidades podem agir como ferramentas para exercer o “CRIAR”. Também, estas podem ajudar a executar tarefas e a finalizar produtos, servindo como catalisadores ou mediadores para o processo. Entre estas destaco gestão de projetos, programação, análise de dados, habilidades interpessoais que fomentem networking e, em especial, a habilidade de aprender e reaprender rapidamente. Essa última talvez se classifique mais como um mindset a ser exercitado do que uma habilidade específica (apesar de haver técnicas para aumentar a produtividade e reter melhor informações, acredito que um aspecto central é possuir a cultura do aprender, saindo da zona de conforto diariamente), e é essencial porque possibilita adquirir os conhecimentos para seguir adiante. Essa necessidade de se reinventar será cada vez mais realidade e o conjunto de técnicas e habilidades que levaram até um determinado ponto não serão as mesmas necessárias para ir até o próximo estágio.


maicon Maicon Falavigna é médico internista e doutor em Epidemiologia. Atualmente trabalha com projetos de pesquisa com dados primários e secundários e é sócio da HTAnalyze.

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Publicado em Artigos Publicados

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